8.08.2005

"Uma família nojenta de cabras e bois mansos a devorarem-se mutuamente no casarão do Guadiana, a sonegarem-se as heranças, a odiarem-se, a roubarem-se a esmagarem-se, a destruírem-se, e tudo isto debaixo da boquilha e da pálpebra cáustica do avô, derramado na cadeira de baloiço da sala, a assistir, numa alegria formidável à agonia da sua matriz, como se não suportasse que nada de seu sobrevivesse ao seu fim, que nada de seu continuasse insolentemente vivo após a sua morte, como se quisesse arrastar consigo as terras e as pessoas para os desconhecidos pântanos subterrâneos aonde ia, como se quisesse matá-los com ele a gozar a sua lenta dissolução nas desmemoriadas névoas do passado, o velho estendido agora na cama, a observar-nos, com o único olho válido, sem lograr falar, sem lograr mover-se, e no entanto de lábios desconjuntados na risonha crueldade do costume."
(in "Auto dos Danados", António Lobo Antunes, Publicações Dom Quixote)

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