5.16.2006

Trabalhar

De um modo inseguro as pessoas olham umas para as outras no caminho do trabalho como se fossem culpadas pelo trabalho que repousa e espera por elas. Não dá para caminhar em descontracção, há uma ansiedade presente nas pessoas que efectivamente se deslocam para o trabalho. A maioria, não digo todas as pessoas, trabalham apenas por sustento. Pelos encargos que adquiriram. Nas cidades só se sobrevive trabalhando, e a maior parte do trabalho é desconstrutivo da personalidade. Mesmo que não repetitivo, até podendo ser desafiador, mas quase todo ele é desumanista. Se efectivamente houvesse possibilidade de escolha, acho que seríamos todos caçadores-recolectores. Talvez agricultores. Mas nunca escravos da sociedade. Porque se chega a um ponto em que o objectivo intrinseco do trabalho é meramente inserido e imanente à sociedade, e já não ao indivíduo. É uma espécie de doença que se caracteriza por haver duas personalidades nas pessoas, uma aquele que trabalha, e outra aquele que é o ser. As possibilidades do trabalho têm de ser transformar a sociedade em conjuntos onde as pessoas são, e não onde apenas integram qualquer coisa mais global que é.

5.10.2006

Procura-se um amigo

"Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive."

Vinicius de Moraes