5.17.2005


Life of St. Jerome: Vision of St. Augustine 1502-04 (Vittore Carpaccio)
"É tão impossível sair do seu tempo como sair do seu corpo. Somos prisioneiros de muitas coisas, mas em primeiro lugar desse tempo onde a nossa liberdade se desenrola, ou se julga desenrolar. O talento de Carpaccio não consiste em ressuscitar um passado que ninguém ressuscita. Consiste em testemunhar para o futuro sobre o seu próprio presente. Tem diante de si um gabinete de trabalho de um humanista da Renascença. Um homem do século XVI que pinta um homem do século IV só o pode representar nos termos do século XVI. Repare no tecto: é um tecto de caixotões. Repare nos livros: são livros da Renascença. Carpaccio exagera até um bocado: não só reproduz uma estátua e bibelôs que só podem ter sido cinzelados por um Donatello ou por um Benvenuto Cellini, mas coloca na decoração, a dois passos de Santo Agostinho, uma soberba esfera armilar, suspensa do tecto e já muito engenhosa. Naturalmente, a memória e a imaginação são chamadas em auxílio e fazem o melhor que podem. São sempre a memória e a imaginação de um homem da sua época. Há muitas vezes em Carpaccio uma espécie de luz e de imobilidade orientais. Poderiam fazer crer que o pintor tinha visitado Constantinopla e a Terra Santa. Aqui, você tem mais um interior que contém algo de encerrado, de confortável, de cuidado, talvez um pouco flamengo. Está tudo bem colocado no lugar, com nichos bem polidos e móveis onde deve ser bom estar instalado. É que a pintura holandesa impressionara Carpaccio. Veneza, Constantinopla, a Flandres, Jerusalém podem muito bem agir sobre ele. O que lhe é proibido, como a si, como a todos, é voltar no tempo e ressuscitar Santo Agostinho como ele era verdadeiramente. O espaço é a forma do poder dos homens, o tempo é a forma da sua impotência."
(in "O Porteiro de Pilatos", Jean d'Ormesson, Publicações Europa-América)

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